Em As Bruxas de Salem, Arthur Miller expôs como o medo e a fé podem ser moldados para governar corpos e destinos. Na adaptação livre assinada pelo diretor Anthony Delarte, esse motor ganha uma camada mística e atual: quando o desejo cruza o púlpito e a praça pública, a cidade transforma suspeitas em sentença. O espetáculo acelera a narrativa original, e concentra a ação na arena onde reputação, culpa e poder são negociados a cada depoimento.
A montagem ilumina o embate entre moral religiosa e pulsões afetivas: rivalidades se acirram, alianças se desfazem e a manipulação se disfarça de virtude. Quem aponta o “demônio” no outro revela os próprios fantasmas. No centro dessa disputa, um homem decide confrontar a farsa, e descobre que a verdade também cobra o seu preço.
Sem reconstituir um passado distante, a peça mira o agora: histerias coletivas, julgamentos sumários, redes de boatos e a violência que atravessa o tempo, tanto como alvo quanto como arma, que compõem um retrato incômodo de como narrativas são fabricadas para salvar uns e silenciar outros. As Bruxas de Salém pergunta: até onde vai a nossa fé quando ela serve ao medo? E que tipo de pacto firmamos para pertencer?
“Quero que o público desconfie de quem pede pureza absoluta e de quem se apressa em nomear o outro como inimigo. É sobre isso que a peça fala, ontem e hoje.” Anthony Delarte, diretor e adaptador.