O ano era 2020 e o contexto era o isolamento social devido ao vírus da COVID-19. Fernanda Nascimento, produtora cultural e artista, ainda no 3º período da sua graduação em Teatro, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sentia uma urgência: havia poucas pessoas falando sobre as artes cênicas. Foi diante dessa necessidade que Fernanda, no dia 17 de julho, em casa, abria o aplicativo do Instagram em seu celular e criava o que depois, juntamente à Lara Mano, sua então colega de sala, dançarina, produtora cultural e futura companheira de trabalho, se tornaria a realização de um dos seus sonhos: o Teatralizei.
Ainda em 2020, a página na rede social era denominada como “Fê faz teatro” (@fefazteatro). O propósito da fundadora era compartilhar a sua trajetória acadêmica, a sua rotina e integrar o conhecimento artístico a quem fosse de interesse, com foco principal nos artistas e estudantes da área. O Teatralizei surgiu 2 meses depois, quando ela percebeu que a linguagem e os conteúdos precisavam ser construídos de maneira menos pessoal.
Durante mais ou menos 1 ano, a então estudante da UFPE produzia materiais informativos que iam da grade curricular do curso, à lives em conjunto com Brenda Nayla, @tebryla no instagram, também estudante das artes cênicas, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Nesse meio tempo, as duas lançavam oficinas e cursos online, seguindo o objetivo principal: acessibilizar à arte e fazê-la quebrar barreiras geográficas, visto que ainda se encontravam em distanciamento social, e Brenda morava em outro Estado.
Foi apenas no ano de 2021, no entanto, que Lara Mano se juntaria ao projeto. Uma amizade que teve seu início marcado por turbulências, acabou trazendo bons frutos. Fernanda conta, durante a entrevista, o quanto que o seu laço com Lara só incentivou com que ela fosse atrás de concretizar esses desejos dentro do ensino superior. Foi durante um trabalho da universidade que as duas se aproximaram. “A gente começou fazendo trabalhos juntas, fazendo ligações, fazendo encontros no Meet, desabafando, conversando sobre a vida”, comenta Fernanda, “E aí foi o momento que eu olhei pra ela e vi que ela era a minha alma gêmea na graduação!”, acrescenta, ainda sobre a aproximação das duas. A fundadora da página sentia que a conexão com sua amiga aumentava, ao passo que ambas se entendiam no universo que abrangia o teatro. Ao ser convidada para somar o Teatralizei, Lara aceitou de primeira.
Entretanto, havia um desafio que precisava ser enfrentado: os seguidores estavam, majoritariamente, restritos aos Estados do Sul e Sudeste. Ao passo que as meninas sentiam obstáculos em alcançar o público recifense, seus colegas e parentes compartilhavam com elas a dificuldade de encontrar um local que divulgasse a agenda cultural da cidade. Foi durante um evento, no Teatro Hermilo Borba Filho, que Fernanda e Felipe Braccialli, na época professor-substituto de uma das disciplinas do curso de Teatro da UFPE, além de doutor em educação física e pesquisador da pedagogia do palhaço, tiveram a ideia de construir um projeto dentro do próprio Teatralizei para divulgações de eventos e espetáculos. A proposta, conhecida como o Acervo Cultural, foi concretizada em parceria com a Vendo Teatro e a Evoé Artes, outras duas plataformas culturais pernambucanas, e hoje acontece através de dois grandes grupos no Whatsapp, com mais de 100 membros em cada um. As administradoras revelaram que a “virada de chave” para uma audiência mais local foi a partir dessa inovação.
Convite ao público pernambucano a imergir na cultura local
Juliana Chaves, artisticamente conhecida por Jully, atriz, cantora, produtora cultural e professora de teatro, foi uma das pessoas que se viu impactada pelo trabalho inovador do Teatralizei. Em entrevista, Jully relata, com brilho nos olhos, sobre a repercussão do projeto na sua vida e na vida dos outros artistas: “é um novo olhar sobre o teatro!”. Ao ser perguntada se, na sua opinião, o Teatralizei conseguia, de fato, abraçar as outras linguagens artísticas, ela afirma que sim, que o Teatralizei funciona como um “fio condutor”, que consegue aproximar as variadas modalidades do campo.
Além dessa conexão entre os próprios artistas, o Teatralizei consegue reaproximar àqueles que há muito não consomem espetáculos, como foi o caso de Letícia Lima. Formada em Medicina e seguidora do perfil, Letícia conta que, antes do Teatralizei, acreditava não haver mais peças teatrais ocorrendo no Estado. Ela diz: “Eu não fazia ideia que ainda existia Teatro em Pernambuco! Depois do Teatralizei foi que eu percebi que existia muito mais que o Teatro Santa Izabel e o Teatro do Parque!”. Comenta, ainda, que o conteúdo da página a incentivou a pensar fora da caixinha: “Quando elas falam sobre as experiências delas sobre o teatro, na perspectiva de gente que tá imersa nessa área, e quando elas falam da necessidade de você vivenciar o teatro de uma forma mais ampla, conhecer o seu corpo, saber como seu corpo se relaciona com a dança, saber como você se expressa de outras formas, como a escrita, como a música, como a pintura, e aí abre muito o leque. Eu só parei pra pensar depois que as meninas começaram a falar sobre isso”.
Hoje, perto dos 5.200 seguidores e aos 5 anos de atividade, Fernanda e Lara ainda ficam admiradas quando reparam no impacto que o Teatralizei vem causando. A dançarina fala que, apesar desses meses observando os conteúdos postados viralizando, ainda se surpreende: “A gente enlouquece, porque a gente não espera! No fundo é o que a gente quer, mas a gente não espera isso”. O primeiro vídeo da página a se tornar viral, chegando no total de 70 mil visualizações, foi o reels (conteúdos em formatos de vídeos curtos, de 30s a, mais ou menos, 2min) chamado “Aula de teatro de graça no Recife?”, em que elas divulgam a Escola Municipal de Arte João Pernambuco.
Atualmente, as professoras de arte, oficialmente formadas no final do ano de 2023, realizam oficinas,promovem desafios na rede social, firmam parcerias com artistas que desejam alavancar seus projetos através da divulgação digital e cobrem eventos culturais, como foi o caso do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos (Festival Internacional de Teatro, Dança, Circo e Música de Pernambuco que acontece no mês de janeiro, anualmente, no Estado, com foco no Recife)
O teatro nos meios digitais
O período pandêmico, nos anos de 2020 a 2022, fez com que artistas e produtores culturais tivessem que, também, se readaptar ao cenário. Os teatros foram fechados, aulas e ensaios aconteciam de maneira virtual. Foi nesse mesmo contexto que, em 2022, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro reduzia pela metade as verbas de incentivo à cultura. De acordo com o portal de notícias g1, o cachê dos artistas seria reduzido em 90%. Os especialistas da área se preocupavam, os questionamentos acerca da relação do teatro nos meios digitais eram cada vez mais frequentes. Danni Sales, especialista em Gestão e Produção Cultural pela Universidade do Estado do Amazonas, em seu artigo “Teatro em Ambientes Digitais: práticas e emergências cênicas em tempo de convergência de meios e de linguagens” diz que, devido a situação da época, as peças teatrais retratavam aquilo que os profissionais vivenciavam na pele: sofrimentos e incertezas.
Porém, passado o tempo, na era pós-pandemia, os questionamentos se mantiveram, mas alguns, agora, com outros olhares. Ao ser questionado se a arte e os meios digitais combinavam, Felipe Braccialli prontamente respondeu: “Claro!”. “Não é algo novo, antes da pandemia esse recurso já estava sendo usado, a diferença é que na pandemia isso explodiu. O que falta agora é sabermos como utilizar esse recurso”, mencionou.
Retomando ao Teatralizei, Felipe refletiu acerca de uma nova perspectiva que pode estar surgindo diante dos tipos de vídeos produzidos pelas fundadoras do projeto. “Eu acho que elas estão caminhando no pensamento contemporâneo do que seria a nova crítica teatral”, comenta. Braccialli remonta o período em que as críticas teatrais, que nada mais são do que “leituras sobre um determinado espetáculo”, eram publicadas em jornais físicos, em sua maioria com linguagens difíceis, pouco acessíveis. Para ele, hoje em dia, mesmo que os textos sejam postados em ambientes virtuais, as pessoas não possuem mais a paciência de parar para ler. De acordo com o professor, os vídeos feitos por Lara e Fernanda, portanto, possuem o potencial de modificar o cenário atual dessas escritas dentro da área artística, convidando o público a acessar com maior facilidade, desmistificando o local “privilegiado” em que, por muito tempo, foi colocado o teatro.